Se tudo der errado

Nada deu certo.

Pra começar, nasci neta de pedreiro, filha de caminhoneiro e de uma dona de casa. Depois, ao tentar ingressar no mercado de trabalho, incrementava o mísero salário de recepcionista com a venda de bijuterias para pagar a faculdade.

Quando comecei a “dar certo” larguei tudo pra “dar errado” nazoropa. Recepcionista, faxineira, garçonete, atendente de lanchonete e recheadora-de-muffin-em-fabrica-de-bolo. Nesse último, jamais esquecerei de um surto após um turno de longas horas em que comecei a chorar descontroladamente falando que “não nasci pra ser peão”.

A espontaneidade desse desabafo tão preconceituoso me assustou e gerou uma série de questionamentos. A percepção de que, no desespero, veio à tona uma partezinha de mim que validava alguns trabalhos e menosprezava outros. Entendi que absorvemos esse tipo de ideia cada dia com brincadeiras aparentemente inocentes – como essa festa deve ter parecido aos seus organizadores (recuso-me a acreditar que tenham feito com o intuito de humilhar). Crescemos acreditando que sucesso está diretamente relacionado com a grana que recebemos por nosso trabalho.

Otimista incorrígivel, fico feliz com a discussão que se levantou. Vejo esse rebuliço todo como um primeiro passo a levantar os mesmos questionamentos tidos pela Milena-louca-dos-muffins-de-peão.

Ninguém nasceu pra dar errado, ninguém quer ser mal remunerado. Todos queremos ser valorizados por nossa nossa contribuição – seja ela um muffin recheado ou a descoberta da cura da AIDS. Todos os trabalhos são importantes. Nos falta apenas redefinir o que é sucesso.

Pra mim, meu avô deu certo ao deixar no mundo 4 filhos honestos que nunca pensaram em se apropriar do que não lhes é de direito. Meu pai deu certo, pois me ensinou o bom humor diante dos perrengues da vida. Minha mãe deu certo pela coragem de encarar uma universidade quase aos cinquenta apesar de toda dificuldade financeira.

Dá certo quem prefere limpar privada a lavar dinheiro que não lhe pertence. Quem consegue sorrir o dia todo na portaria depois de enfrentar um transporte público caótico. Dá certo quem entende que nosso trabalho é que faz o mundo girar, quando nos colocamos a serviço uns dos outros.

Faxineira, advogado, pedreiro, vendedora-de-miçanga ou celebridade-que-vai-comprar-pão-no-Leblon. Só daremos certo mesmo quando abraçarmos nossa interdependência.

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